O inferno é aqui mesmo, por Angela Caruso



 Dante o alocou no interior da terra geograficamente, só isso!

Em nome da moralização no período medieval, século XIV, Dante, o poeta louco, na sua Divina Comédia descreve o que presenciou no inferno. Guiado pelo espírito do poeta Virgílio observa pessoas que nunca fizeram nada de bom ou nada de ruim serem penalizadas pela neutralidade e vagarem pela eternidade, desesperadamente picadas por insetos. Semeadores da discórdia cortados em pedaços e suicidas como árvores pelo fim dos tempos. Aduladores nadando em mares de excrementos e traidores condenados a terem suas cabeças comidas por aqueles que traíram. Pessoas excretadas por monstros e homens forçados a se casarem com porcos. Tudo se passa ao longo de um rio de sangue fervente e piras de fogo.

No entanto, Satã se posiciona na parte mais profunda do inferno – que Dante afirma ser no mais profundo da Terra – e o tal Anjo Caído está protegido por gelo imerso até a cintura.

O mais interessante é que na porta está escrito uma frase: "abandone toda esperança aquele que por aqui entrar", seguida de outra frase menos famosa que afirma ser aquele lugar criado pela "mais alta sabedoria e amor primordial".

Partindo da segunda frase, entendo melhor o que Dante comunica quando afirma que o inferno aplica suas próprias regras. A necessidade de manter a ordem na sociedade infernal e criada na “mais alta sabedoria e amor primordial” impulsiona indivíduos e grupos a regrarem seu próprio mundo, mesmo que de forma contraditória e afrontada.

Passado mais de 700 anos, vê-se ainda “instituições” imporem “moralização” à sociedade. A hipócrita decretação da moralidade visando proteger o “espírito democrático” com tratados sociais, que não passam de produtores de individualidades culpadas, impotentes, dependentes e irresponsáveis.

Fatalística!

Não menos hipócrita, essa nação dantesca, alimenta indivíduos impotentes para criar e transformar não só suas experiências pessoais como as coletivas. Enquanto produtora e controladora de sujeitos submissos, retorna casualmente aos próprios indivíduos os “males” e “desordens” sociais decorrentes da dominância dos “maus” sentimentos individuais  acirradores das “discórdias” coletivas.

De outra hipótese, a moralização moderna se ampara na centralidade do fictício sem autocrítica. A minha “moral” me permite exigir a sua “moral”, nada mais infernal!

O inferno não é mais o de Dante, é aqui. Não são as regras que fazem esse inferno e sim o exigido do outro, sem paradoxo, uma confissão em condições de particular urgência para resolver a individual “crise moral”.
E tem mais, considero o pior. Dante ao lado de Virgílio constatam em determinado momento num dos “círculos” do seu inferno que a Natureza e Deus são atacados com a mesma violência dirigida aos “pecadores”, e os Animais representados pelos Centauros, Minotauro, Cachorro de três cabeças e Cadelas ferozes e famintas ostentam a brutalidade, a violência, o instinto animal que se farta da fidelidade com “justiça” proferida pelas próprias mãos.

Será que qualquer semelhança passa a ser mera coincidência?

O inferno é aqui mesmo!

Angela Caruso

SP 30/01/2014

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