O que há por trás do “desafio do balde de gelo”


Pamela Anderson fez barulho na mídia ao se recusar a participar do desafio do balde de gelo em apoio à ALS Association (Associação contra a Esclerose Lateral Amiotrófica), por conta do seu histórico de financiamento a experimentos animais descritos como cruéis e inúteis.
Continuar fazendo testes em animais é jogar dinheiro pelo ralo.
Continuar com testes em animais é jogar dinheiro pelo ralo.
Seu posicionamento desencadeou uma ampla discussão. A questão que devemos considerar é: Pamela Anderson tem alguma razão?
Como neurologista credenciada, eu acompanho e sou uma das principais investigadoras da pesquisa subvencionada com pacientes com ELA. Eu já – literalmente – chorei com os meus pacientes e os seus familiares quando tive que dar o diagnóstico devastador de Esclerose Lateral Amiotrófica, ou Doença de Lou Gehrig.
Assim como tantas outras doenças neurológicas, a ELA é terrível e devastadora. Eu me compadeço pelas pessoas que vivem e morrem com essa doença. Assistir aos meus pacientes perderem progressivamente o controle das suas funções corporais mais básicas (comer, defecar, respirar) com pouco a oferecer além do meu suporte emocional, é o pior pesadelo de qualquer médico. A única droga disponível atualmente, de tão ineficaz, não vale nem à pena mencionar.
Por que então, após 7 décadas do corajoso embate de Lou Gehrig contra essa doença, e milhões de dólares gastos em pesquisa, não existe um único tratamento efetivo ou cura à vista para a ELA?
A resposta repousa em como o dinheiro (sendo a maior parte dele dos nossos impostos) é gasto. Grande parte do dinheiro de pesquisa tem sido canalizada para os assim chamados “modelos animais” de ELA.
Aí está o problema, conforme eu já discuti anteriormente: a ELA é uma doença exclusivamentehumana. Pesquisadores têm criado artificialmente animais que mostram alguns sintomas que se assemelham a ELA, mas assim como em tantas outras doenças, o “modelo animal” apenas imita alguns dos sintomas da ELA, que além de serem diferentes, possuem outras causas. Assim, esses modelos animais se apresentam como substitutos extremamente pobres para estudar doenças exclusivamente humanas.
Por exemplo, durante décadas pesquisadores voltaram sua atenção ao rato geneticamente modificado SOD1, como “modelo” para o estudo da ELA. Mas no decorrer dos últimos anos, se tornou evidente se tratar de um fracasso retumbante. A doença nesses ratos não é consistente com a forma mais comum de ELA em humanos. Depois de 40 anos usando esse modelo de pesquisa, todas as drogas que foram efetivas nos animais mostraram pouco ou nenhum benefício em humanos. Em outras palavras, os experimentos com os animais falharam de novo.
Percebendo os problemas com o rato SOD1 e a sua pouca relevância para a pesquisa sobre a ELA, os pesquisadores então passaram para um modelo diferente: o rato TDP43. Mas agora, um novo estudo já aponta que o TDP43 difere em características chave da doença em humanos. Por exemplo, em pacientes com ELA, a paralisia ocorre no decorrer do tempo. Mas essa progressão da paralisia não é observada no TDP43. Esse rato normalmente morre de obstruções intestinais, enquanto que humanos sucumbem à perda de massa muscular e falência respiratória.
Não deveria ser surpresa que ratos (ou quaisquer outros animais) manifestam a doença de maneira diferente. A doença é complexa, e mudar uns poucos genes em um organismo biológico ainda mais complexo não reproduz a verdadeira doença.
Para ser justa, esses pesquisadores apontam outros problemas com a utilização desses roedores que (segundo eles, e sem qualquer evidência) podem ser consertados. Mas por quanto tempo continuaremos com isso? Sempre que um novo “modelo animal” é criado, decorrem décadas e milhões de dólares gastos para descobrirmos que o modelo estava errado. Pesquisadores então retrocedem e tentam de novo apenas para criar mais um modelo errado. E assim vai, de novo, e de novo, e de novo.
"Modelos animais" colocam a vida humana em risco.
“Modelos animais” colocam a saúde humana em risco.
Por quanto tempo continuaremos cometendo os mesmos erros? Décadas do mesmo modelo de pesquisa não nos trouxeram a cura. De fato, não nos trouxeram nem mesmo um único tratamento eficaz. Como diz o velho ditado: “Quando você estiver preso em um buraco, pare de cavar”.
Meu maior medo é que talvez nós tenhamos encontrado a cura há muito tempo, mas ela pode ter sido abandonada por conta dos enganosos experimentos com animais. Drogas que funcionariam em humanos podem ter sido descartadas porque não funcionaram em camundongos.
Nós precisamos utilizar nossos fundos de pesquisa com inteligência e estratégia. Quão perto estaríamos de uma cura hoje se ao invés de desperdiçar milhões de dólares em experimentos animais falhos, o dinheiro estivesse sendo usado para métodos de testes com base em humanos, que recriam a doença precisamente?
Enquanto a experimentação animal continua a desperdiçar tempo, dinheiro e vidas apostando com animais, pessoas com ELA se tornaram tão desesperadas que estão se inscrevendo emtestes de drogas não regulamentados, colocando suas vidas em grande risco. E sejamos claros: humanos colocam as suas vidas em risco sempre que tomam um medicamento pela primeira vez após o desenvolvimento com testes em animais, já que mais de 9 em cada 10 drogas consideradas seguras e efetivas em animais acabam sendo perigosas ou ineficazes em humanos.
A escolha aqui não é entre testar em animais ou humanos – e nunca foi. A escolha é entre continuar colocando as vidas das pessoas em risco com base em experimentos animais imprecisos, ou garantir a sua segurança através da utilização de testes mais precisos baseados em humanos antes que as pessoas comecem a tomar os remédios.
Eu certamente estou empolgada que a ELA esteja recebendo a atenção que merece. Mas eu espero a ALS Association pare de jogar pelo ralo as doações de legiões de pessoas generosas em mais experimentos animais fracassados. E é por isso que eu, assim como Pamela Anderson, encorajoa ALS Association a investir o seu dinheiro arrecadado em uma área mais promissora: desenvolver métodos alternativos aos modelos animais, os quais precisamos tão desesperadamente.
Aysha Akhtar é médica neurologista, especialista em saúde pública, e autora.
 Fonte: HUFFPOST SCIENCE
Tradução: Pedro Abreu

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